Meus olhos corriam pelas palavras que seguiam, uma após a outra, revelando mistérios e investigando assassinatos como se eu mesmo fosse o personagem das amareladas páginas do livro que eu tinha em mãos.
De vez em quando, eu olhava para fora do ônibus, pela janela, para ver se já estaria próximo da minha hora de descer ou se ainda tinha tempo para mais alguns parágrafos. O que eu mais gostava em tudo isso era fechar o livro e olhar para as pessoas ao meu redor.
Observá-las.
Minha mente viajava, olhando cada detalhe: suas mangas, unhas, celular que usava, música que ouvia, bottons de sua bolsa.
Meu pensamento era que, em algum momento, eu seria tão observador e dedutivo quanto o próprio Sherlock.
Era véspera de Natal e eu estava radiante!
Rodeado de bloquinhos coloridos espalhados pelo chão, eu selecionava os que me pareciam mais promissores. Agrupava por cores, encaixava o que eu acreditava que daria a estrutura mais firme da casa de dois andares que eu estava construindo.
Não era simplesmente uma brincadeira – era o projeto da casa dos meus sonhos que eu estava criando!
Como filho de professora, uma das mais criativas oportunidades que tive em minha infância foi ter caixas e caixas de Lego com os mais diversos itens e peças, que se conectavam à medida que minha imaginação projetava novas composições. No fim das contas, eu desmontava tudo o que havia criado para que aquelas peças pudessem fazer parte de novas ideias.
Essas pequenas experiências pessoais ilustram dois elementos que considero essenciais para criar e projetar experiências de serviço: se estendermos nosso pensamento sobre Service Design, perceberemos que o tempo todo trabalhamos com observação e com experiências.
É natural para algumas pessoas serem observadoras.
Contudo, a observação é uma prática possível a qualquer um.
Basta um tempinho investido em treinamento. Exemplos simples, como o de observar pessoas que estão no mesmo ônibus que você e tentar deduzir suas histórias e motivações de vida já auxiliam no desenvolvimento da habilidade de observação. Você pode ser criativo!
Um amigo meu, que é ator de teatro, me contou um dia que coleciona expressões: ele observa as pessoas quando riem e quando estão contando um fato chato do seu dia para alguém próximo; observa como as marcas de expressão do rosto se movimentam, qual é a entonação e a linguagem corporal que utilizam…
Então, juntando toda a sua coleção de expressões, ele compõe os personagens e interpreta tais papéis! Por falar em personagens, lembro de quando lia as histórias de Sherlock Holmes. Quando ele se via cercado por uma intrincada e confusa rede de incertezas, fechava os olhos e imaginava a situação como um grande novelo de lã embolado.
Ele tinha várias pontas soltas na mão, mas sabia que não podia puxar um fio e esperar que tudo se resolvesse: ele precisava pensar na situação de maneira completa. Assim, ele analisava os detalhes com um “olhar do todo”.
Observar experiências cotidianas com um “olhar do todo” faz com que nossos projetos sejam mais relacionáveis ao ser humano. Esse olhar é alcançado pelo que chamo de método Sherlock, ou seja, buscar entender todas as situações vividas (seja por você mesmo ou por outra pessoa) como serviços integrantes de um todo, um grande sistema.
Ao se estabelecer esse modelo de pensamento, começamos a visualizar os detalhes: diversos pontos de contato que geram os grandes problemas. É uma habilidade valiosa quando você consegue dar “zoom in” e “zoom out” intencionalmente na busca por mapear e melhorar serviços!
E o Lego, onde se encaixa em tudo isso!?
Exatamente nos encaixes!
A medida que observamos experiências vividas, as colecionamos em nossas caixas das ideias.
Um designer de serviços também precisa ter prática quando estiver no meio do processo criativo, e retirar estas peças de experiências observadas para construir serviços melhores e mais inovadores. A questão aqui não é uma junção aleatória de diversos serviços existentes, mas possibilitar o encaixe de diversas peças para formar novos elementos.
A observação de experiências é o que possibilita a criação de bons serviços. As possibilidades são incontáveis: uma única experiência observada pode gerar peças de todas as cores, tamanhos e formas!
São funcionalidades, modelos de negócios, estruturas de gerenciamento, mecânicas, dinâmicas, relações entre componentes, relações entre pessoas, formas de aplicação em outros segmentos, formas de atuação no mercado, elementos visuais, conceituais, estratégicos… Enfim, qualquer coisa!
Ouso dizer que observar experiências deve ser a base de qualquer processo criativo de Service Design. Esse modelo de pensamento voltado a serviços é o que chamamos de Service Design Thinking.
E então, pronto pra se tornar um observador sagaz?